Caio e Bia


Você conhece o Caio? Claro que não. Caio nao é igual a qualquer outro garoto. Na verdade, alguns dizem que ele é feito de asfalto, e se camufla quando tem vontade.
O Caio tem o poder de fazer malabarismos na frente do seu carro, saltar de um lado para o outro, recitar um poema de própria autoria, isso tudo sem que você ao menos perceba sua presença. Nem ilusionista profissional consegue isso.
Mas Caio tem algo a mais. Ele tem sua irmã, a quem ensina todos os seus truques. O nome dela é Bia.
Tá certo que a Bia ainda é pequena, bonitinha, então ainda não tem muita destreza para ficar invisível no semáforo. Ainda ganha uns bons trocados no horário de pico, e até recebe alguns convites pra entrar no carro. Mas não aceita nenhum. Sabe que no final do dia precisa levar o lucro pro Caio. Ele que agora não fica mais em casa à noite
Caio descobriu que depois de uma certa hora, o mesmo cara de terno que fecha o vidro do carro na sua cara, vai a pé pro semáforo. E o mais incrível, ele vê o Caio! Chegam até a conversar, enquanto o burguês acende o cachimbo e frita os miolos com o bagulho.
Uma hora dessas Bia fica em casa vendo a garrafa rolar pela barriga do pai, desmaiado no sofá. Mas ela nem espera muito tempo observando. Sabe que quando ele acordar, a cena não vai ser muito bonita. Não demora muito ela vai pra janela do quarto. Quando a lua está cheia e iluminando o morro, Bia consegue ver seu irmão lá na encosta com seus novos amigos.
O sonho dela é crescer pra poder acompanhar Caio.
Mas é só sonho.
As meninas não acompanham os meninos pra vender cachimbo à noite.
Quem sabe um dia ela não toma coragem e entra no carro? Os caras na rua parecem ter tanta vontade de levá-la pra um passeio. Um dia ela ainda vai entrar, isso é certeza. Mas por enquanto não, porque não tem coragem de passear e deixar o Caio trabalhando.

E a lua continuava bem cheia, nem parecia que era noite. Bia bocejou e percebeu já ser tarde. Tinha de ir dormir, porque amanhã era um novo dia. Caio ia ensinar a jogar malabares. Ela estava ficando crescidinha e já poderia aprender. Ele repassaria todos os truques.
Só que o principal deles nem precisaria ensinar. Com o passar dos dias ela acabará se fundindo ao semáforo e ao asfalto. Ninguém nem perceberá sua presença. Terá de frequentar as ruas à noite, mas não poderá vender cachimbo, porque ninguém compra cachimbo de menina.
Vai ter de vender outra coisa. Ela ainda não sabe o que. Talvez nem venha a saber.
O importante agora é dormir.
Sonhar com os malabares.
Sonhar com os carros.
Ou talvez sonhar com um futuro.
Apenas sonhar.

Alcy Filho

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