Mundo Irreal






Daíma olhou para o lado e fechou os olhos novamente. Não queria acordar. Os sons da floresta queriam levá-lo de novo para seus sonhos, para seus delírios. Mas ele precisava se preparar. Era dia de mudança. Seu grupo iria deixar o terreno e desbravar a mata para encontrar um novo lar.

O sol da manhã ultrapassou as folhas de bananeira, focando seus olhos negros. As crianças brincavam ali perto imitando sons de bichos. Daíma se levantou e foi ao rio se purificar. Era preciso renovar as forças para o trabalho. O Rio Caminho, como o batizaram, emprestava suas águas para homens e mulheres se lavarem. Eram seis adultos e cinco crianças. Todos pareciam ter acordado há pouco tempo.

As mulheres se uniram para sair pela mata, colhendo o que sobrara de frutos para a viagem. Os homens se dirigiram às casas e começaram a desmontá-las. Ao passo de uma hora todos estavam prontos para seguir pela mata.

Não havia pais nem mães. As crianças brincavam com todos, sem se apegar a ninguém em especial. Mas elas não se atreviam a se dispersar dos adultos. Sabiam que as árvores escondem perigos atrás de cada folha.

Sempre um do grupo ficava responsável por ir à frente. Hoje este cargo era de Daíma. Ele ia quebrando galhos e afastando obstáculos, sempre atento à perigos, como cobras e onças. Mas o que ele mais temia encontrar era outro grupo. Em toda sua vida, ele nunca conheceu outras pessoas, apenas seu grupo. E a tradição deles era de que o mundo era suas casas. Quando deixavam um lugar, esse deixava de existir. Eles eram os únicos habitantes de seu mundo.

O caminho estava difícil. A mata fechada revelava plantas cheias de espinhos, difíceis de cortar. Daíma olhava atento para os lados, esperando sempre encontrar um animal ou outra clareira desabitada. E foi isso que ele encontrou. A clareira tinha uma fogueira de pedras ainda com sinais de fumaça e algumas folhas grandes cobrindo o chão. Daíma ficou paralisado ao ver um estranho recipiente. Parecia um cesto de material estranho e áspero. Resolveu olhar dentro. Encontrou instrumentos de corte, pós coloridos e outros tantos objetos que não conhecia. Ele enfiou a mão mais adentro e pegou um pedaço de metal brilhoso, que parecia retratar as copas das árvores. Daíma virou o objeto e contemplou sua imagem refletida nele. Assustado, deu um pulo para trás, deixando o espelho cair no chão.

Ao levantar, seus olhos se depararam com uma estranha visão. Parecia um sonho. Uma mulher com vestes desconhecidas estava parada ao lado de uma árvore, olhando para ele. Lentamente ela se aproximou do cesto e fechou-o, sem retirar o olhar de Daíma. Depois começou a recuar até o fim da clareira. Sem esperar, a mulher se virou e deixou Daíma sozinho.

O vento acordou-o de seu devaneio, trazendo de volta o barulho da mata e do grupo chegando.
Daíma não contou o que viu. Não falou sobre a mulher à ninguém. A visão ficaria para trás, como todos os lares que havia abandonado.
Era hora de construir um novo mundo.

Alcy Filho


Imagem: lucanicae

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