Mãe, posso dormir no seu quarto?






- Não, Maria. Hoje você vai dormir na sua caminha, ok?
A garota soluçou e abaixou a cabeça. A luz do abajur iluminou as lágrimas que escorriam por seu rosto.
- Maria, olhe pra mim - disse Clara. - Não tem nada no seu quarto. Já procurei debaixo da cama, dentro do armário, no banheiro…
- Mas não olhou atrás da cortina - interrompeu a menina, soluçando.
- Está bem. Se eu olhar atrás da cortina, a senhorita dorme na própria cama?
- Sim…
Clara calçou os chinelos e segurou a mão de Maria, estava gelada. As duas saíram para o longo corredor. Os grandes quadros nas paredes pareciam vigiá-las. Estavam por toda parte.
- Essa casa é mal-assombrada - falou Maria.
- Por que acha isso? - perguntou Clara, virando à direita para um novo longo corredor.
- Os quadros conversam comigo, mamãe. Quando eu ando aqui sozinha, eles perguntam meu nome.
- E você responde?
- Não… Mas isso me dá arrepios.
- Quando eu tinha a sua idade também pensava ouvir vozes. É uma coisa que a nossa cabeça cria para não nos sentirmos solitárias. Não deve sentir medo da sua imaginação.
As duas pararam em frente a uma porta no fim do corredor.
- Por que eu tenho que dormir tão longe do seu quarto? - disse Maria.
- Porque já é uma mocinha e são os únicos quartos da casa.
- Pra que serve uma casa do tamanho de um quarteirão que só tem dois quartos?
Clara abriu a porta e as duas entraram. O quarto não era nem um pouco infantil. Havia pinturas surreais por todos os cantos, o guarda-roupa era de mogno, enorme. As cortinas tinham uma aparência estranha, como se fossem de madeira. A cama rosa de Maria, com edredons ilustrados com flores, não se encaixava no resto do quarto. Tudo ali tinha um ar antigo. Maria soluçou mais uma vez.
- Por favor, mamãe. Eu não quero dormir aqui.
- Nada disso. Vamos cumprir o trato… - disse Clara, abrindo as cortinas e balançando-as. - Viu, minha filha? Não tem nada aqui.
- É porque é invisível - falou Maria.
- Já chega - Clara encaminhou a menina para a cama. - Você já viu que não tem nada aqui. Que tal descansar agora?
- Mas e a coisa, mãe? Ela não pára de falar comigo.
- O que eu disse sobre a sua imaginação? Não tenha medo dela, ela faz parte de você.
A mãe beijou a filha e saiu, fechando a porta. Maria ficou olhando a janela, esperando algo acontecer.
- Ela já foi? - perguntou uma voz aguda vinda de debaixo da cama. - Não quero que ela me veja.
Maria puxou o edredom para cima da cabeça e fechou os olhos, tremendo.
- Não quer falar comigo? Eu só queria conversar.
- Vá embora… - sussurrou a menina. - Eu quero dormir.
- Está frio lá fora… Posso ficar aqui, quietinha?
A menina abaixou o edredom e abriu os olhos lentamente. Não havia nada ali. Seu corpo tremia, não queria fazer aquilo.
- É só a minha imaginação… - disse baixinho. - Não preciso ter medo de você.
Ela pulou para o chão e olhou debaixo da cama. Estava claro, pois a janela permanecia aberta. Ela pôde ver uma boneca de porcelana de cabelos marrons e cacheados, usando um vestido que seria branco se não fosse a poeira do chão. Maria suspirou aliviada e pegou a boneca. Tirou o excesso de sujeira do brinquedo e pulou de volta para a cama.
Ficou brincando com a boneca por algum tempo. O sono foi chegando, as pálpebras foram se deixando cair. Maria dormiu tranqüila abraçada a um retrato de madeira, sujo e rasgado. Retrato de uma menina de vestido branco e cabelos cacheados, com um sorriso no rosto. Parecia feliz em estar ali ou, simplesmente, sentia o forte abraço da menina.

Alcy Filho


Imagem: Gabriela Camerotti

6 comentários:

Thekingdk disse...

bem loca essa paradinha aqui!

Anônimo disse...

Nossa!!
Meio assustador mesmo, mas bem escrito, demais!
lindo dia
beijos

Anônimo disse...

Gostei do texto!

Bem escrito, deixa um suspense no ar...

Cantinho de vida - Mensagens poemas

Anônimo disse...

yeah \../

legal!!



ass.: urubbu

Atila City disse...

Poxa, quanta profundidade, pensei em diversas vezes que a menina era como o menino do sexto sentido hehehe.
Surreal como toda distorção da realidade, simplesmente fantástico, adorei a propósta do blog!

Franciny disse...

Eu adorei esse! Bem caracteristico os corredores, não?! E como sempre, você surpreende no final.