Os Contos de Biodak - Três desejos do Oásis






O modo como agia. Seu caminhar e seus cabelos. De olhos inocentes à certeza de que muito havia se perdido. O rio e o dragão levaram a beleza da infância. Tudo mudara. Ao menos assim pensava Yana.

Enquanto saia do Rio Cran, ia tentando se familiarizar com o lugar. Nunca havia conhecido o deserto. Sentia os pés afundando no terreno árido. Os olhos não poderiam mostrar a imensidão de areia, intimista e contrastante ao céu azul. Mesmo cega diante a paisagem, Yana conseguia sentir terror naquele lugar.

Aos poucos a menina foi avançando pelo deserto. Implorava aos céus por chuva, que nunca viria. Tateava o nada em busca de abrigo. Era muito diferente da floresta. Ela conhecia cada galho e cada trilha. Mas no deserto sua cegueira chegava ao ápice. Só lhe restava confiar nos desatentos pés, que continuavam a levá-la para o leste.


Ao avistar o Oásis, Hiugo apertou com força o cajado no peito e desapareceu do deserto.
Quando reapareceu em meio à densa floresta, lembrou do aviso do gólem das Pirâmides de Ferro. “Não se demore nas árvores”. Até a seiva que corria pelas plantas daquele lugar estava amaldiçoada.

O mago Hiugo abaixou o capuz e se apressou a atravessar a mata espessa. Mas quanto mais avançava, mais densa ficava a floresta. Em certos pontos os galhos pareciam estar alocados em forma de teia. Com o cajado em punho, Hiugo proferiu um encantamento que murchou os troncos e galhos a sua volta.

Enquanto caminhava, a floresta ia abrindo caminho, numa sofrida redenção. O mago não parava de pensar na criatura que iria encontrar. Seria verdade tudo aquilo que as inscrições diziam? Esta era a única chance de seu povo sair de Biodak.

Hiugo estava decidido a encontrar o último dragão de Amdu. E diante de seu objetivo ele não percebia que a floresta ia aprisionando-o ao Oásis.


Ghiardo continuava a se guiar pelo estranho odor. Não podia enxergar a destruição que causara na floresta, mas conseguia ver o medo que causava. Um dragão carecia de impor seus domínios e força. Desde a Grande Divisão, o restante dos dragões tinha sucumbido ao poderio humano ou à inteligência élfica. Agora que a chama de Ghiardo começava a apagar, era preciso encontrar o sucessor.

Enquanto avançava sobre as cinzas de Dart-Mor, ele lembrava que não deveria seguir muito ao norte. Nem os dragões ousavam adentrar as Colinas Frias, depois que os tesouros da torre tinham sido liberados. Se o sucessor não se achasse na floresta destruída, teria de rumar direto para as Pirâmides de Ferro.

Era inesperado que as árvores morressem com tanta tranqüilidade. Não pareciam ser como as que cresciam no Oásis do deserto de Amdu. Aquelas eram tão cruéis quanto os dragões. Mas Dart-Mor repousava e aparente paz, enquanto as asas do grande Ghiardo espalhavam as cinzas.

O mais curioso era aquele odor. Não era ódio, mas podia ser sentido. Era tão forte que o havia atraído desde o Oásis. Porém não foi isso que o fez descer das nuvens e aterrissar nos galhos queimados da floresta. Perto da destruição, onde as chamas ainda não haviam consumido as folhas, morava um sentimento de esperança, que vagava pelas árvores e se confundia ao vento. Tal sentimento o repugnava.

Ao olhar para baixo viu o brilho das fadas se espalharem. Pelo visto queriam avisar as outras criaturas sobre o perigo. Isso não seria problema. O instinto de Ghiardo indicava que seu sucessor viria antes que a floresta pudesse revidar.

Quando suas garras encontraram o solo, o dragão pôde sentir que um pouco da esperança havia sucumbido. Um pouco, mas não toda. Ainda havia uma grande parte deste sentimento ali, em pé diante às cinzas. Era esperança unida a um outro sentimento, difícil de ser interpretado pelos dragões: coragem. Tudo isso em uma pequena criatura.

Coragem em forma de menina.


Yana seguia afundando e tropeçando na areia. O sol escaldante não tirava, e sim lhe dava forças. As horas pareciam voar, assim como o corpo de Yana. A menina demorou a perceber que os pés flutuavam e se deixavam levar pelo deserto.

Algo em seu interior queimava e clamava para sair. Seus braços começavam a roçar em troncos e galhos. Os quais a abraçavam e ajudavam a levá-la adiante. Não estava mais no deserto. O lugar era úmido e aconchegante.

Tudo lhe parecia familiar. Lembrava de suas brincadeiras com o irmão, seu povo, sua floresta. No entanto eram apenas lembranças. Ela estava no coração do Oásis de Amdu.

Ao ser deixada em uma grande rocha, ela pôde perceber porque voava. Suas asas descansaram nas raízes que cobriam o lugar. As escamas que revestiam seu corpo arranhavam o chão, mas pouco incomodava. O sono pesado a fazia esquecer de tudo aquilo. Aos poucos esquecia do irmão, do dragão e do rio.

Dias depois, quando acordou, já não era mais humana.

Alcy Filho


Imagem: j0Y-STiCK

Um comentário:

Daniela Dias Ortega disse...

e esse final como assim
rs, tá ficando cada vez mais interessante, e os personagens e lugares também. :D